Evasão fiscal é um crime tão antigo quanto a invenção dos impostos. No entanto, uma nova pesquisa revelou que essa pratica era considerada tão séria no Império Romano que as penas variavam entre multas pesadas, exílio permanente e, em última instância, execução pública. Os historiadores traduziram e analisaram um documento que registra um desses casos.
A descrição de crime está escrita num papiro encontrado no Deserto da Judeia. O grupo de pesquisadores analisou o artefato e descobriu que os criminosos realizaram um esquema de falsificação de documentos e venda de alforrias – libertação de escravos – ilícitas, tudo para evitar o pagamento de impostos nas províncias romanas da Judeia e da Arábia.
Os dois sonegadores eram conhecidos. Um deles, Gadálias, tinha ligações com a elite administrativa local e já havia sido condenado por extorsão e falsificação, além der ser famoso por roubar e não comparecer aos julgamentos.
O segundo era Saulo, registrado como o mentor do esquema e “amigo e colaborador” de Gadálias. A equipe de pesquisa acredita, com base nos nomes e na localização, que a dupla seria composta por dois homens judeus.
Acusados podem ter lutado contra o Império Romano
A trama de sonegação aconteceu durante um período conflituoso da história. O imperador Adriano reinava por volta de 130 d.C., quando Simão bar Kochba, um chefe guerrilheiro, liderou uma revolta popular que resultou numa guerra entre o povo judeu e o Império Romano. A revolta foi reprimida e a população judaica se dispersou para fora da Judeia.
“É possível que sonegadores de impostos como Gadálias e Saulo, que eram inclinados a desrespeitar a ordem romana, estivessem envolvidos nos preparativos [da revolta]”, disse Anna Dolganov, historiadora que decifrou o pergaminho, em entrevista ao New York Times.
A pesquisadora acredita que o papiro tenha sido encontrado em 1950 por beduínos vendedores de antiguidades. Segundo ela, o artefato poderia estar escondido em Nahal Hever, um cânion a oeste do Mar Morto, onde alguns rebeldes de Bar Kochba se refugiaram ao fugir dos romanos.

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Esquema de sonegação era complexo
A pesquisa revela que o crime de Gadálias e Saulo foi confirmado por um informante às autoridades romanas. O texto também sugere que o denunciante era o próprio Saulo, que pôs a culpa em seu comparsa Queréias para proteger a si mesmo da punição.
O cenário mais provável era de que Saulo, da Judeia, vendia vários escravos para Queréias, da Arábia, sem a documentação adequada. Ao serem comercializados através da fronteira entre as províncias, os escravos supostamente desapareciam dos bens de Saulo na Judeia. Mas, como permaneciam fisicamente com ele, Queréias, o comprador, poderia optar por não declarar os escravizados na Arábia.
“Assim, no papel, os escravos desapareciam na Judeia, mas nunca chegavam à Arábia, tornando-se invisíveis para os administradores romanos. A partir de então, todos os impostos sobre esses escravos podiam ser evitados”, explicou a historiadora.
Os romanos tinham um sistema sofisticado para evitar a sonegação e examinar o comércio de escravizados. As taxas chegavam a 4% sobre a venda de escravos e 5% sobre as alforrias. “Se algum documento estivesse faltando ou parecesse suspeito, os administradores romanos investigavam”, comentou a pesquisadora.

O julgamento foi intenso, diz o estudo
Para ocultar a falsidade ideológica de seu parceiro, Gadálias, filho de um tabelião, falsificou as notas de venda e outros documentos. Quando as autoridades desvendaram o caso, a dupla procurou e pagou um concelho municipal em troca de proteção.
Durante o julgamento, Saulo atribuiu a culpa pelas irregularidades no comércio de escravos a Queréias. Gadálias culpou seu pai pelas falsificações.
Para os pesquisadores, as motivações da dupla ainda são desconhecidas. “Por que os homens correram o risco de libertar um escravo sem documentos válidos permanece um mistério”, disse Dolganov.
A equipe apresentou algumas hipóteses:
- Ao simular a venda de escravos e libertá-los, a dupla estaria cumprindo um dever da cultura judaica de libertar escravizados em determinados períodos e situações.
- Poderiam estar lucrando com o sistema de captura de pessoas, sua escravização e depois libertação dentro do Império Romano
- Gadálias e Saulo poderiam também ser traficantes de pessoas
O papiro não revelou o veredito do caso jurídico. Mas, os historiadores acreditam que Gadálias, por ser membro da elite local, poderia ter recebido uma morte mais misericordiosa: a decapitação. Para Saulo, idealizador do esquema, o fim pode ter sido mais tenebroso.
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